À liberdade dentro das grades

Ágata resolveu atracar o seu veleiro em Málaga, cidade natal de Pablo Picasso. Visitou alguns museus de arte em que continham algumas obras do famoso pintor espanhol em exposição e acabou Ficando muito intrigada com a sua genialidade. Pois Picasso tinha todas as condições possíveis para pintar obras de origens clássicas que realçassem o realismo da vida cotidiana, mas preferia distorcer tudo em forma de seus próprios movimentos inventados. Vai saber o que tinha levado à fazer aquilo.

Domine toda a teoria e a técnica; caso queira criar uma nova vertente artística.

Pensou consigo mesma, Ágata, depois de ter visto aquela exposição do artista espanhol.

Pois Picasso sabia pintar como os artistas clássicos e renascentistas pintavam, mas acho que ele queria fazer sua própria história. Então, resolveu criar algo totalmente novo em sua vida, onde lhe faria ser lembrado para sempre nos livros de história da arte.

Mas isso, de acordo com a visão de Ágata, só era permitido fazer no mundo das artes talvez. Porque a vida não vinha com um manual onde os grandes sábios lhe ensinavam a arte de viver. Você tinha que aprender e descobrir por si mesmo. Sendo autodidata por natureza. Aprendendo somente o que lhe conviesse de mais interessante, para que assim, você pudesse pensar na hipótese de criar o seu próprio mundo e universo. Com regras só suas e de mais ninguém.

Porém, no seu jeito de pensar, isso também parecia ser impossível de se fazer. Pois em uma sociedade sempre existiria regras à serem seguidas fielmente. Mas se formos para o campo das artes, por exemplo, tudo já parece ser mais possível e permitido também.

Mas com a vida já não era assim. Tínhamos que ir aprendendo aos poucos. Nos aproximávamos de pessoas com ideias diferentes das nossas e tínhamos que aprender a conviver em harmonia, por mais que algumas vezes isso parecesse impossível de se fazer.

Ágata aprendeu isso desde cedo. Tinha bem poucos amigos em sua infância e quase nunca tinha ido à casa deles para dormir ou passar apenas o final de semana juntos conversando sobre assuntos banais. Ela estava ocupada demais pesquisando sobre a história da humanidade em seus momentos livres.

Ela tinha pavor de seguir às massas. Quando todos escutavam rock, ela preferia o folk profético de Dylan. Quando todos queriam roupas de marca, ela arranjava roupas simples de brechós de beira de rua. Quando todos queriam ir para as principais universidades do Brasil, ela preferia sair do país e inventar a sua própria formação.

Ela sempre teve esse espírito contracultural em tudo o que fazia. E foi nesse instante, em que se deparou com uma livraria espanhola onde estavam vendendo os seus artigos de jornais em livros que coletavam todas as suas obras completas. Ágata ficou apavorada com aquela situação inusitada em sua vida. Pois nunca poderia imaginar que os seus artigos, crônicas e contos ainda estivessem ganhando o mundo daquele jeito. Porque estava ocupada demais viajando dentro dele. Mas tinha se esquecido de quem tinha sido um dia. Uma escritora, jornalista e professora muito bem sucedida, tanto no ambiente acadêmico como fora dele também. Mas por outro lado, também pairava uma sombra negra em sua vida por ter sido uma mercenária sem pátria. Que defendia os injustiçados à troca da própria morte.

Ágata se olhou no reflexo do vidro daquela livraria e pôde reparar que teria que colorir seu cabelo de azul novamente, pois a tinta já estava começando a desbotar. Ela teve o cuidado de olhar em todas as contra capas daqueles volumes – que não paravam de sair das prateleiras de lançamentos mais aguardados – e se sentiu muito mais aliviada ao vê-la de cabelos ruivos ainda. Mas isso de nada adiantou, pois tiveram alguns fãs seus que à reconheceram de imediato. E ela logo saiu toda destrambelhada da livraria levando consigo, um exemplar daqueles volumes em suas mãos sem perceber.

Ela acabou sendo perseguida por uma onda de fás espanhóis que gritavam seu nome pelas ruas como se ela fosse à próxima discípula à ser seguida em um mundo pós-apocalíptico.

Ágata conseguiu despistar aquela multidão e assim voltou rapidamente para o seu veleiro, pois ali era apenas uma singela velejadora da classe trabalhadora. E era exatamente isso que ela queria ser naquele momento de sua vida. Pois ela não queria ser famosa, nem dar autógrafos, muito menos tirar selfies desagradáveis com pessoas que tinham achado em seus escritos novas maneiras de viver suas próprias vidas sem rumo.

Agora pelo menos, sabia que a onda da sua fama ainda não tinha passado o suficiente. E por hora, teria que ser dada como morta ou não encontrada pelos serviços de inteligência da Interpol.

Mas isso já era tarde demais, pois aqueles fãs acabaram dando diversas entrevistas nos jornais dizendo que Ágata tinha sido vista em uma livraria de Málaga, folheando seus próprios livros nas prateleiras. E assim, as agências internacionais resolveram prendê-la de antemão, alegando que ela tinha cometido diversos crimes de guerra com o seu grupo de mercenários.

O que à fez se tornar mais famosa ainda, pois era só ligar a televisão nos noticiários que a sua foto era mostrada como uma suposta terrorista à ser evitada em qualquer país.

Os outros mercenários logo foram achados também.

Seus livros continuavam na lista dos mais vendidos do mundo, como se aquele caso que seria julgado muito em breve, desse ainda mais fogo para a lenha.

Ágata e seu grupo de mercenários seriam julgados por um comitê internacional. E os juízes responsáveis pelo caso, tiveram que ler todos os seus livros em busca de algo suspeito que pudesse ser aproveitado no julgamento do século. Mas no final das pesquisas, tiveram que alegar que não encontaram nada que à incriminasse teóricamente, somente pragmaticamente.

Os réus apareciam todos na televisão com macacões laranjas e algemas nos pés. E de nada adiantou, as diversas manifestações em prol deles que aconteceram ao redor do mundo. Pois no final, todos acabaram pegando prisão perpétua.


Deixe um comentário