A ilusão das redes sociais

Ágata sempre gostou da diversidade de ideias. E tendo isso em mente, tratou logo de criar um grupo para discussões na Livraria Lello, no Porto. E assim, logo surgiu diversas intelectuais que trataram logo de levar seus filhos e amantes para aquele aconchegante lugar onde as escadarias faziam o papel de anfitriã.

Todos tinham lugar de fala e normalmente era aberto um tempo cronometrado onde as pessoas poderiam falar sobre o que quisessem, para que pudesse ter um certo engajamento. E é claro que não demorou muito e aquilo acabou se transformando em um lugar onde as pessoas falavam abertamente sobre os seus problemas pessoais e o que elas poderiam fazer para resolvê-los.

Ágata num primeiro instante, até tentou dizer que aquela roda de conversa não era para aquilo, mas logo se viu numa encruzilhada e acabou deixando que as pessoas pudessem se expressar com o que tinham em mente. E é claro que vieram alguns psicólogos e psicanalistas especializados que acabaram tirando o holofote daquela personagem principal.

Uns alegavam que estavam passando por problemas conjugais seríssimos, enquanto outros, alegavam que não tinham aonde morar pois eram imigrantes ilegais.

Ágata ficou sem saber o que fazer, mas logo utilizou o seu próprio apartamento para abrigar alguns imigrantes que não tinham o visto necessário para permanecer ali. E assim, os outros voluntários também trataram de fazer o mesmo.

O círculo acabou aumentando e com o tempo, as pessoas acabavam se acotovelando para escutar esse grupo de estudos na livraria mais bonita do mundo. Gostavam de saber da vida dos outros e como seus semelhantes lidavam com os seus próprios problemas pessoais. Voltavam para as suas casas comentando que sicrano era abusado, gastão, irresponsável, agiota, gigolô, folgado ou até mesmo fora da lei. Mas no final, diziam que iriam pensar melhor nesses adjetivos e acabavam desculpando os erros dos outros se lembrando de que também eram apenas pessoas falhas que não tinham a hombridade de falar sobre os seus próprios empecilhos pessoais na frente de qualquer um.

Os encontros aconteciam apenas uma vez por semana e todos tinham que confirmar à presença na semana seguinte como se fosse um compromisso com hora marcada no tribunal. O grupo de 10 foi para 20; fato esse que deixava a livraria um pouco congestionada as vezes. Mas Ágata sempre marcava um horário que não atraia muita a atenção dos turistas mais diurnos. E assim, duas horas antes de fechar o estabelecimento, a gerente da livraria fechava o local, para que o grupo ficasse mais à vontade com a livraria deserta.

O grupo se desenvolveu e acabou progredindo na vida. Muitos conseguiram resolver os seus problemas pessoais de uma maneira leve e agradável para os olhos de quem está julgando e analisando o tempo todo; e assim, quando Ágata se deu por sí, já estava imersa nele a praticamente 1 ano. Contando suas falhas e delírios do dia a dia.

Ela gostava de ver que aquelas pessoas tinham aprendido a escutar e não à julgar, tornando um ambiente muito acolhedor de se estar e pensar. E assim, um belo dia, o grupo se desfez e nunca mais teve o privilégio de se reunir novamente.

Ágata volte e meia até encontrava alguém daquele grupo andando pelas ruas do Porto, mas preferia fingir que não as reconheciam, para evitar maiores problemas. Mas tinham outros que faziam questão de cumprimentá-la e agradecê-la por ela ter aberto aquele espaço de escuta em suas vidas.

Muitos se tornaram grandes figuras públicas que só tiveram a oportunidade de abrir suas almas naquele instante em suas vidas. Pois Ágata agora via nos jornais aqueles rostos todos seguros de sí que não demonstravam mais todas as suas incertezas e melancolias aos seus semelhantes, pois na fama não era lugar de fazer isso, acreditava ela. Porque agora, a grande maioria tem o hábito de viver em redes sociais vendo a beleza de sua vida, enquanto que na realidade, todos continuavam sentindo as mesmas incertezas de antes, só que agora, ninguém tinha mais a coragem de mostrar para o mundo as suas falhas e arrependimentos que poderiam ser discutidos em consultórios terapêuticos que escutam tudo, mas são incapazes de aconselhar ou até mesmo guiá-los até um caminho seguro que esteja livre de tombos e penhascos inevitáveis.


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