Ícaro vivia na Bahia com a sua mãe apenas. Filho único, nunca teve o privilégio de conhecer o seu pai, que tinha origem desconhecida. Muitos diziam que era estrangeiro e que por uma infelicidade do destino tinha engravidado uma linda mulata em Porto Seguro, mas depois do carnaval, teria voltado ao seu país de origem e nunca mais voltado para vê-lo crescer no meio dos terreiros do candomblé e da capoeira.
A mãe de Ícaro, Luana, nunca lhe contou a verdade sobre aquele caso que ela teve com aquele gringo em pleno carnaval e ano novo também. Pois a grande maioria das pessoas que viviam na Bahia, sabiam muito bem, que nessa época, dificilmente alguém tomaria conhecimento daquele caso com mais responsabilidade do que era de costume em dias festivos.
Luana tinha orgulho de dizer para quem quisesse escutá-la que tinha criado o seu filho sozinha e sem o apoio de ninguém. O avós de Ícaro já tinham morrido a bastante tempo. Então os dois estavam completamente sozinhos na Bahia. Mas por outro lado, em bairros menos favorecidos todos eram considerados parte de uma família onde uns ajudavam os outros e vice e versa. E assim, Ícaro tinha o hábito de chamar uma vizinha de Tia e outro de tio. Talvez fosse para compensar sua perda paterna. E assim, todos o chamavam de filho e outros de irmão ou maninho se fosse uma menina com a mesma idade que a dele.
Ícaro dava aulas de capoeira em uma ONG em Salvador, enquanto sua mãe era dona de um terreiro de Candomblé onde muitas pessoas seguiam com afinco, e assim, eles conseguiam sobreviver em uma casa bem modesta onde não faltava nada para ninguém.
Os dois não respeitavam muito os finais de semana, onde as aulas de capoeira se amontovam de crianças que queriam aprender a se movimentar como os escravos faziam antigamente para se defenderem da cólera de seus senhores. Enquanto que no terrero de Luana, muitos turistas apareciam para fotografar aquela nova cultura onde os batuques faziam parte daquelas vestimentas brancas como se fossem parte de um só corpo e alma.
Ícaro era um excelente professor de capoeira. Sempre estava disposto a mostrar novos movimentos que as crianças queriam aprender logo para mostrarem em casa, ou quem sabe, para se defenderem de algum bullying que pudesse ocorrer em suas escolas.
Luana também administrava com muito maestria o seu terrero. Ela sempre estava disposta a explicar a história do candomblé para quem quer que fosse. E até tinha conseguido entrar em uma aula de inglês para falar com mais facilidade aos turistas que vinham dos quatro lados do mundo.
O tempo passou, e enquanto Ícaro estava terminando de dar a sua aula de capoeria como fazia rotineiramente, apareceu um homem em sua sala querendo falar com ele sobre um assunto muito serio que necessitava da presença de sua mãe também.
Ícaro desconfiou que aquele poderia ser o seu pai e quando sua mãe chegou no recinto não restaram mais dúvidas sobre aquilo. Pois o seu olhar já lhe entregava. E assim, Luana acabou desabando em lágrimas.
Aquele homem desconhecido se chamava Breno. Ele era dos países baixos, mais precisamente da Holanda, pai de Ícaro. E isso acabou explicando muito coisa na mente de Ícaro, pois ele era um dos únicos professores de capoeria da Bahia com a pele mais clara do que seus colegas de profissão, que acabavam brincando com ele, dizendo que sua mãe tinha-o adotado na infância, porque ele ainda por cima, tinha olhos claros.
Breno era holandês de olhos verdes. E Ícaro tinha puxado o pai nesse quesito também. Mas ainda restavam mais algumas perguntas para que o seu pai biológico respondesse.
Por que ele tinha os abandonado na Bahia sem nunca dar uma notícia sequer de seu paradeiro?
E por que ele só estava retornando agora, quando seu filho já estava um homem?
Como eles iriam se reconectar como uma família unida se já tinham se passado anos desde o ocorrido?
Breno não soube responder aqueles perguntas. Ficou atônito olhando para o seu filho e na maneira que ele era parecido com ele. E acredito que todos que estavam naquela sala pensavam na mesma coisa que ele, inclusive Ícaro. Até parecia que Ícaro estava olhando para um reflexo seu só que com mais idade e experiência.
Luana não soube o que fazer também e acabou levando seu antigo amante para casa. Mas quando ela começou a andar pelo bairro as pessoas olhavam-nos com muita curiosidade, pois parecia que aquele homem era o irmão mais velho de Ícaro.
Chegando em casa, o bairro todo já desconfiava que aquele poderia ser o pai de Ícaro pela semelhança no corpo e no olhar. Pois agora, todos já sabiam que ninguém mais poderia chamar-lhe de filho ou maninho, pois o pai tinha finalmente voltado da europa para assumir suas responsabilidades como pai e marido de Luana. O tempo tinha se esgotado, pensavam alguns. Enquanto outros, acabaram ficando felizes que aquela família estava reunida novamente.
Mas onde Breno se encaixaria naquela rotina, se os sobreviventes daquele abandono já tinham conseguido sobreviver por tantas intempéries da vida?
Passaram-se os dias.
Ícaro e Luana continuavam dando sequência as suas vidas de resistência. O primeiro, transformava as rodas de capoeira em sistemas de educação, enquanto a segunda, levava a religião à quem quer que fosse. Deixando Breno maravilhado e atônito com aquilo tudo. Pois parecia que sua vida tinha simplesmente se estagnado desde a sua partida, enquanto que os que ficaram para contar à prosa, conseguiram virar à página daquele livro mofado e mal gasto, que um dia teve a coragem de ser algo bem melhor do que uma simples história de abandono.

