
Minha casa em Gaza está sob destroços também… — desata a chorar Vilma ao ver aquela cena junto com os seus vizinhos de rua — O que mais podemos fazer se essa maldita guerra não tem nenhuma previsão de tão cedo acabar?Até quando iremos aguentar viver desse jeito?… Tenho duas filhas para cuidar e meu marido foi se juntar ao exército da Palestina e até agora não voltou. Aliás, nem sabemos ao certo se ela está vivo para contar toda a sua aventura para suas filhas quando regressar.
Vilma tinha acabado de perder seu bem mais precioso que era o seu lar. O exército de Israel bombardeou aquele vilarejo sem ao menos avisar as autoridades locais do possível perigo que corria os moradores. Algo muito injusto de se fazer, mas a vida era cheio de histórias injustas para contar. E a de Vilma era só mais uma no meio de todas aquelas perdas de crianças passando fome também. Muitas tinham acabado de perder mãe e pai e mesmo assim, tentavam ajudar seus amigos, portegendo-os de possíveis perigos vindo principalmente pelo ar, através de drones sem coração.
A Palestina só queria existir como uma nova nação, porém do outro lado, Israel teimava em dizer não para aquela proposta de independência, pois de acordo com o primeiro ministro de Israel, a Palestina seria para sempre submetida as vontades do estado de Israel, mesmo que alguns países europeus reconhecessem a Palestina como uma suposta nova nação a ser criada.
Vilma todos os dias entrava na fila da comida mas só lhe davam caldos de sopa que mal dava para alimentar duas crianças, que somente ansiavam em sair daquele lugar o mais rápido possível. Depois daquela rotina extenuante, Vilma retornava para a sua barraca — que ficava ao ar livre — rezando para que nenhum drone os encontrasse desatentos e preocupados com as noites cheias de barulhos e explosões sem fim.
Com a intervenção divina, Vilma finalmente foi colocada em um enorme avião, junto com os seus filhos, para um destino totalmente incerto em um outro país que estava aceitando exilados que traziam consigo outras bagagens culturais que não eram aceitas no destino final.
A família pousou em Portugal. E Vilma logo colocou o seu lenço palestino para provar que não era daquele lugar. Como exemplo à ser seguido, seus filhos também fizeram a mesma coisa que ela.
Portugal já tinha 600 mil brasileiros e o povo estava vivendo um grande retrocesso por causa de um partido de extrema-direita, que tinha acabado de chegar ao poder e que não queria mais que a nação fosse miscigenada daquele jeito que estava à acontecer com toda a sua gente.
Vilma sabia muito bem disso. E assim, ela começou a sofrer os primeiros preconceitos quando entrava em alguma loja ou em algum shopping e era imediatamente barrada ou simplesmente impedida de comprar comida ou procurar um emprego que fosse digno com os seus documentos regularizados.
Seus filhos entraram na escola e todos estranharam o porquê que eles sabiam falar tão bem o inglês e não o português. Mas mesmo assim, eles se esforçaram e em questão de meses, conseguiram finalmente dominar o idioma com maestria, quase que ao mesmo tempo em que, também começaram a se destacar dentre os melhores alunos da turma.
Isso gerou uma enorme revolta entre os seus colegas de classe, pois muitos achavam que eles não eram dignos de nada, pois Portugal estava dando tudo à eles de mão beijada. Mas eles mesmo assim, resolveram engolir aquele choro e sempre voltavam para a sua nova casa com um sorriso enorme em seus rostos, para que a sua mãe nunca desconfiasse de nada.
Vilma conseguiu finalmente um emprego em uma livraria que ficava em um shopping bem pomposo no Porto. Seus patrões ficaram espantados por ela falar o inglês tão bem, e assim, ela logo começou a atender aqueles turistas de várias nações diferentes que pediam informações de autores e livros que quase ninguém sabia que existia na terra, porém, Vilma sempre estava disposta a aprender sobre aquelas novidades literárias e em seus momentos vagos, aproveitava para se aprimorar em algum autor que era ainda muito pouco explorados em Portugal.
Foi assim, que Vilma logo se destacou com aquele lenço palestino na cabeça. Enquanto seus filhos também iam pelo mesmo caminho de glória e paz eterna. Com o tempo, o que era estranho ficou popular e o que era popular ficou conhecido. Todos na cidade do Porto passaram à conhecer aquela pequena família que estava sempre à espera da volta do homem da casa, que infelizmente veio a morrer naquela guerra sem propósito de Gaza, entre Israel e Palestina.
Vilma passou a assumir dois papéis em casa. O de pai e o de mãe. Enquanto seus filhos ganhavam cada vez mais fama por serem estudiosos e curiosos sobre as questões que englobavam o universo e seus elementos.
Com a união e o comprometimento daquela família nada poderia lhes parar, como não parou. Vilma depois de alguns meses, foi promovida na livraria ao cargo de gerente. Enquanto seus filhos foram jogados em algumas séries acima do indicado, pela diretora da escola, que viu o desempenho acadêmico daqueles promissores cientistas.
Mas por outro lado, Portugal ainda continuava a deportar os brasileiros que não tinham a documentação necessária para permanecer naquele país. E isso era um sinal muito preocupante pois a grande parte dos portugueses optavam em mudar de país devido às melhores condições salariais que Portugal jamais poderia pagar.
Vilma acompanhava aquelas notícias com muita atenção, pois ela tinha acabado de se envolver com um brasileiro que tinha conhecido na livraria do Porto. Ele era muito carinhoso e atencioso com os seus filhos e ainda por cima, à tratava como uma rainha da Pérsia.
Porém, um dia, no meio do seu expediente na livraria ela ficou sabendo que o seu amado brasileiro estava para ser deportado à qualquer instante de Portugal. E assim, ela imediatamente pediu para os seus patrões se ela poderia ir ao encontro dele para tentar salvá-lo. Seus patrões decidiram ir junto com ela e assim, chegando na polícia de deportação, avisaram que ele trabalhava naquela famosa livraria do Porto também. Os policias escutaram atentamente o relato daqueles empresários, porém, no fim, tiveram que pagar uma boa quantia para que aquela mão de obra permanecesse no país lusitano.
Vilma voltou para a casa toda feliz beijando o seu amante constantemente na boca e logo, já estava à pensar no regresso de seus amados filhos da escola também. Pela demora, ela enfim optou em tomar banho, enquanto o seu amado brasileiro preparava o jantar para aquelas amadas crianças que normalmente voltavam para a casa cheias de conhecimento sobre o mundo.
Porém naquela dia em especial, elas não voltaram para a casa. O brasileiro então decidiu ligar a televisão para ver se tinha acontecido alguma coisa de ruim à elas. E infelizmente o pior realmente tinha acontecido. Pois os únicos filhos de Vilma tinham sofrido um ataque xenófobo na escola por um de seus queridos colegas. O nome do menino não precisou ser revelado, mas no fatídico dia, ele tinha resolvido levar uma arma para a escola e no momento em que os filhos de Vilma estavam se familiarizando com aquela nova cultura, o assassino, então decidiu disparar à queima roupa diversos tiros nas costas daqueles dois irmãos que no último ato se olharam com ternura e alegria por terem finalmente partido de um lugar onde a intolerância religiosa e o preconceito com outras culturas e identidades ainda eram um completo tabu para que o governo pudesse reeducar o seu povo em busca de um maior grau de tolerância, aceitação e compaixão.
Vilma voltou logo de seu banho sentindo algo forte em seu coração. Seu amado brasileiro bateu na porta do banheiro e lhe avisou com lágrimas em seus olhos. Ela ficou de frente para a televisão e começou a gritar loucamente. Caiu de joelhos ao ver as fotos de seus filhos e imediatamente se ajoelhou e pediu para que Alá pudesse confortá-los de alguma maneira enquanto se aprontava para ir sepultar os corpos de seus amados filhos no cemitério local.
Depois do sepultamento, Vilma se entregou para as autoridades junto de seu amante brasileiro e pediu para deportá-los de Portugal o quanto antes. O departamento de polícia lhes perguntou para onde eles queriam ir. E sem pensar muito ela disse o nome do Brasil. O policial riu daquela resposta como se por lá não houvesse salvação alguma. Mas ela imediatamente respondeu que pelo menos era um lugar mais tolerante e miscigenado. Bem diferente do que ela tinha encontrado em terras lusitanas onde os portugueses naquele atual momento, estavam tentando limpar o seu sangue de toda a exploração de terras estrangeiras que eles próprios tinham cometido e sem querer se misturado também.