• Sobre o Autor

Guilherme Müller

  • O fracasso da escrita

    maio 15th, 2025

    Ágata estava completamente exausta mentalmente. Pensava em reduzir um pouco a sua jornada de trabalho, mas logo mudava de ideia quando alguém ia lhe procurar para tirar alguma dúvida sobre o mundo. Tentava sempre se doar ao máximo ao seus alunos, pois a satisfação naqueles rostinhos quando eles entendiam algo escrito ou não, não tinha preço.

    Para a sua surpresa, em seus momentos vagos não conseguia ler mais nada, alegava que já tinha lido de tudo que lhe interessava, logo, começou a doar os seus livros da biblioteca de seu apartamento para as universidades locais, que se digladiavam pelos box de luxo de diversos autores importantes do Hall da Fama.

    Depois da extinção de sua biblioteca particular, Ágata começou imediatamente a preenche-la novamente. Ia até a Livraria Lello e comprava autores que não eram clássicos de se pensar e sentir. Achava as leituras bem leves e engraçadas pelo viés da escrita ruim, pois como tinha lido a grande maioria dos clássicos, gostava de acompanhar a trajetória de escritores que não tinham dado certo em sua vida profissional pelo menos.

    Não gostava de ler mais best-sellers também. Alegava que nem tudo aquilo que era considerado modismo, significava que ao longo da passagem do tempo, se tornaria um clássico. Então sempre perguntava aos livreiros de Portugal qual era o livro que não estava sendo vendido e que tinha sido um fracasso comercial em escalas desproporcionais.

    Logo o ato de ler se tornou um hobbie novamente. Gostava de escritores desconhecidos do grande público e que talvez pudessem até ter uma vida pessoal mais agitada e completa do que a dela.

    Mas Ágata não podia reclamar de sua vida. Tinha vindo para Portugal com uma mão na frente e outra atrás e galgou todos os degraus da intelectualidade lusa. Cursou a universidade, estagiou em um grande jornal e por fim, dava aulas nas principais universidades do país enchendo as salas com perguntas e dúvidas à serem tiradas de forma expressa.

    Sua biblioteca logo ficou cheia novamente, mas dessa vez, se sentia muito mais em casa de ter aqueles autores desconhecidos por perto de sua vida, pois ninguém os queria em suas estantes cheias de poeria. Ágata se sentia muito mais acolhida por autores fracassados do que por autores que exalavam sucesso de mídia. Vai saber por qual motivo isso ocorrida. Para todas as suas amigas secretas era um verdadeiro mistério.

    Ela logo começava a citá-los em aulas sobre o mundo e assim, seus alunos também começavam a se interessar por eles como se estivessem descobrindo uma nova mina de ouro pouco explorada por escravos amantes da literatura.

    Alguns começaram logo a ganhar um certo destaque na mídia. E o que antes tinha passado batido aos olheiros de livrarias, agora era alvo de grande destaque em colunas de jornais.

    Mas foi assim que começaram os problemas de Ágata em casa. Pois muitos começaram a ligar para ela dizendo que há muito tempo já tinham largado a carreira de escritores e agora se viam em um redoma onde teriam que voltar a escrever seus próximos volumes de ensaios.

    Foi uma imensa confusão onde alguns desconhecidos tiveram a tão sonhada fama literária. Davam algumas entrevistas para o jornalismo e reuniam forças para continuar o ato solitário da escrita agora em ascensão novamente. Porém, alguns logo desistiram daquilo alegando que estavam vivendo muito bem com os seus empregos de carteira assinada que faziam com que eles não tivessem forças para elaborar enredos e histórias fictícias que outros poderiam vir a amar.

    Mas a grande parte ficou imensiamente grato à Ágata por aquele gesto. E assim, abandonaram empregos fixos com estabilidade e adentraram novamente na insegurança de ser um misero escritor desconhecido.

  • Os poemas não servem para serem decifrados em um curso de anatomia

    maio 14th, 2025

    Ágata estava mais leve e desimpedida. Como ela sentiu falta de suas amigas de Portugal que à faziam pensar na infância deixada no Brasil. Todo dia, pontualmente, todas elas se reuniam em seus cafés preferidos para falar sobre a vida deixada para trás. Tomavam café e comiam croissant no Rio Douro no Porto, enquanto observavam os barquinhos que passavam anunciando o vinho Taylor’s de fabricação própria.

    Ágata as vezes confessava que não estava prestando muita atenção à conversa corriqueira, pois alegava que gostava de escutar as línguas dos turistas. Aquele palavreado estranho e sem nenhum significado aparente que lhe remetiam ao estado de eterna turista lusa.

    Observava aqueles pessoas tentando captar o máximo de informações que podiam com o que viam e liam em museus por ali perto. Como se não quisesem esquecer daquele momento em suas memórias frágeis. E para isso, tiravam fotos de cada passo para não perder o rastreio.

    Ficavam suspresos com a acolhida daquela bela cidade e logo viam as filas enormes para entrar na Livraria Lello. A livraria mais bonita del mundo como diziam os espanhóis.

    Eles rapidamente tentavam comprar os ingressos – já esgotados – no site da livraria sem muito êxito. Dava para ver as reações de decepção nos rostos daquelas espanholas. Ágata achava graça e logo ia informá-las que elas poderiam tentar em um outro dia que tivesse vaga. Mas elas normalmente diziam que não dava tempo. Que a estadia delas era curta e rápida.

    Porém, conforme Ágata ia conversando em outras línguas com os diversos turistas que estavam frustrados, ela logo era reconhecida e instantaneamente aparecia em diversas contas de redes sociais pelo mundo afora. Como sinal de gratidão e gentileza – por escutar elogios à suas obras – Ágata acabava por ela mesma, entrando pela Livraria Lello – que sempre deixava-a com passe livre – e acabava fazendo um tour com os turistas antes tristes e agora alegres.

    Era uma celebração à vida! Diziam eles em muitas línguas e dialetos diferentes.

    Enquanto isso, as amigas de Ágata ficavam a ver os barquinhos à passar, pois já sabiam que aquele dia estava perdido de fofocas. Algumas até pensavam, bem rapidamente, que às vezes, era muito chato ter uma amiga muito famosa daquele jeito. Mas enfim, era a vida em pura desilusão.

    Quando Ágata se dava por si, suas amigas já não estavam mais lá naquele café das redondezas, e assim, resolvia dar uma última volta para pensar melhor antes de ir para a casa trabalhar em textos novamente.

    Alguns até poderiam pensar que era uma vida solitária e sem sentido algum. Mas Ágata à adorava e muitas das vezes até à idolatrava.

    Em casa, normalmente escovava os seus dentes bem cedo para se dedicar exclusivamente às diversas leituras sobre o Brasil e o mundo. Ficava bem chateada por não conseguir ler alguns poemas de seus autores prediletos, mas depois com uma certa insistência, retornava à eles e acabava irrigando bem o seu espírito, com a arte misteriosa e secreta de poemas que ainda não foram escritos, para serem decifrados em um curso de anatomia.

  • As outras línguas que escuto pelas ruas

    maio 5th, 2025

    Ágata gostava de ficar observando o fluxo de pessoas indo e vindo, na rua lá embaixo, cercada por policiais de plantão, por causa de sua prisão domiciliar. Mas dentro de seu apartamento era uma pessoa inteiramente livre. Escrevia, lia, dava aulas e palestras sobre um determinado assunto em específico que ela normalmente dominava com muita aptidão.

    Para receber algum convidado, de seu agrado, normalmente tinha que passar pelo crivo dos policiais lá embaixo. Mas dificilmente eram barrados. Dentro daquele apartamento, estavam todos liberados para pensar sobre o que quisessem; e assim, faziam planos para possíveis artigos ou simplesmente, resolviam escrever algum conto ou crônica em parceria.

    Ágata dificilmente acordava indisposta com algum assunto em específico. Ela simplesmente adorava ter algo para pensar profundamente, para que assim, pudesse escrever sobre. Sempre de uma maneira leve e divertida para quem lesse, mas jamais para quem escrevia.

    Os dias passavam muito depressa. E muitas das vezes, Ágata se esquecia de manter uma alimentação saudável, pois sempre pulava as refeições essenciais e só pensava em comida quando não tivesse mais nada para escrever ou discursar.

    Um belo dia, se reuniu com alguns estudantes que estavam lendo a sua obra para concluir seus cursos de mestrado e doutorado e ela simplesmente adorou como eles se expressavam diante da autora. E muitas das vezes, ela ficava sem entender nada sobre o que estavam dizendo, pois quem escreve nunca imagina que alguém possa estar tentando decifrar todos os segredos deixados em frases e parágrafos soltos no meio de um texto em questão.

    Muitos saiam de lá não conseguindo decifrar direito o que aquela autora queria dizer em certas partes de seu texto, mas a própria autora ficava muito intrigada com aquilo, pois alguns leitores com muito menos estudos que aqueles acadêmicos, acabavam entendendo tudo o que era escrito e dito de uma forma muito mais clara e objetiva do que aqueles estudantes universitários. Talvez, pensava ela, fosse esse o próprio problema da contemporaneidade. Pois quanto mais estudos uma pessoa tivesse, mais pensamentos complexos elas tinham. E as vezes, um escritor só queira falar com a massa da maneira mais natural possível. Enquanto os catedráticos só querem filosofar sobre algum texto ou livro que foi lido para os seus semelhantes, se distanciando assim, do povo e da sociedade de uma maneira geral.

    Ágata não queria que os seus textos e livros fossem discutidos na universidade, e sim, nos cafés e bares ao redor do globo. Mas sempre se disponibilizava para conversar com a safra da sociedade que se achava mais intelectualizada, explicando para eles que as vezes um escritor só queria ser lido como entretenimento depois de um longo dia de trabalho apenas e nada mais.

    Os anos foram se passando e enfim, Ágata foi liberada de sua prisão domiciliar. Na manhã daquele dia em específico ela não teve vontade de sair de seu apartamento aconchegante. Pois já estava adaptada a vida em total reclusão. Dizia que pensava e escrevia melhor daquele jeito, sem ter contato algum com o mundo exterior. Mas com a liberdade recém concedida, a tarde resolveu dar uma volta pelo Porto para ver os turistas e ao mesmo tempo, entrar em contato com aqueles línguas estrangeiras que eram sussurradas em seus ouvidos novamente.

    Avistou algumas amigas que lhes deram os parabéns e foram logo almoçar em um restaurante local para colocar o papo em dia. Pediram carne de vitela e um bom vinho branco para o acompanhamento e assim, passaram à tarde toda jogando conversa fora.

    Ao término da tarde, Ágata já estava pronta para escrever novamente. Era como se toda aquela adrenalina acumulada em anos de reclusão agora estivesse livre para que ela pudesse acumular outras experiências artísticas. E assim o fez.

    Religiosamente escrevia pela manhã indo até a hora do almoço. Depois ia sempre visitar a Livraria Lello para ver as novidades no mundo literário, onde normalmente era reconhecida na hora em que entrava por lá. Dava alguns autógrafos em seus livros sempre reeditados e tirava algumas fotos como se fosse ainda uma voz à ser seguida por aquela nova geração.

    Ágata sempre pensava em seu sucesso com muito carinho. Pois sempre pensou que talvez ainda pudesse ter vozes que talvez jamais seriam ouvidas no mundo da literatura. E por essa razão, sempre estava lendo os livros mais atuais para que assim, pudesse econtrar novas vozes para dialogar com o seu pensamento.

    Gostava de conhecer novos escritores que traziam um certo brilho em seus olhos, como se aquela profissão fosse a melhor do mundo. E talvez, realmente fosse. Pois podia-se imaginar de tudo, porque no campo da literatura tudo era permitido e nada era negado à ninguém.

    Bastava você pensar em personagens complexos ou simples, com diálogos profundos ou rasos que lá estava uma história que valeira muito à pena ser contada e digerida pela sociedade que sempre precisaria de arte para poder sobreviver a tanta realidade desgastada.

  • A prisão domiciliar

    maio 4th, 2025

    Ágata estava pensando em retornar para Portugal, para talvez, buscar algum asilo político, tendo em vista que os portugueses sempre foram seus seguidores fiéis. Sendo assim, finalmente decidiu vender o seu veleiro com tudo dentro. O comprador ou compradora, iria levar de lambuja, uma biblioteca com os mais variados ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura de épocas distintas.

    A felizarda tinha sido uma singela francesa de Paris. As duas marcaram de se encontrar secretamente na França. Seu nome era Sophie e era muito simpática e gentil. Aceitou pagar tudo à vista sem pestanejar. Disse para Ágata que iria preservar tudo como tinha encontrado, mas iria adicionar alguns escritores franceses aquela biblioteca o quanto antes.

    Na decorrência dos fatos, Ágata rumou para Portugal com aqueles documentos falsos de sempre. Aterrizou no Porto como de costume e já foi logo se informando das novidades na Livraria Lello. Viu na vitrine alguns novos escritores recém descobertos e tratou logo de comprar alguns livros e boxes exclusivos de seus favoritos para colocar em seu apartamento no Porto.

    Chegando por lá, colocou as malas na sua sala de estar e já foi logo folheando aqueles livros que tinham cheiro de novos recém saídos das embalagens à vácuo. Depois de algum tempo se perdendo naquelas histórias, resolveu ligar para as suas amigas mais próximas para dizer que estava de volta a ativa. O que acabou gerando uma comoção nacional, pois ninguém sabia guardar segredo naquele país minúsculo. E assim, a notícia acabou indo parar nos jornais regionais.

    Na manhã seguinte, a polícia já estava em sua porta batendo-a como se não fossem velhos amigos. Ágata acordou sobressaltada com aquele estrondo e foi ver logo o que era. Abriu a porta e se deparou com um mandato de prisão onde ela teria que cumprir em Portugal por causa de tudo o que tinha feito no exterior.

    O policial alegou que ela estava sendo presa por ter matado o presidente da Rússia e dos Estados Unidos, além é claro, de ter incitado o Anarquismo por onde quer que os seus escritos tenham passado, com ondas de manifestação em diversos países que tenham traduzido os seus escritos, contos, crônicas e artigos de jornais também.

    Ágata se olhou por uma última vez no espelho e pegou imediatamente sua mala que ainda não estava desfeita e assim, se dirigiu ao corredor de seu apartamento com um monte de policias em seu encalço para se certificarem da apreensão.

    Os portugueses ficaram muito revoltados por estarem prendendo uma ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura. E assim, resolveram fazer diversas passeatas pelo país como sinal de indignação. Gerando uma comoção nacional e internacional também. Pois os jornais internacionais noticiaram a prisão de Ágata em suas capas matinais. Mostrando ela com cabelos azuis sempre desgrenhados e logo atrás, os policiais lhe empurrando para dentro daquele camburão mal cheiroso.

    Os juízes daquele caso acabaram passando por uma enorme pressão em suas vidas particulares e alguns tiveram até que reforçar sua segurança particular. Mas o caso foi julgado em algumas semanas e o decreto final foi que Ágata passaria à prisão domiciliar devido a sua esquizofrênia, que seria muito mal tratada se ela fosse ficar em alguma prisão sem os cuidados paliativos necessários para o controle da doença.

    Os portugueses vibraram com aquela sentença como se o país tivesse ganhado uma copa do mundo. Com telões espalhados por toda Portugal, para que o povo pudesse acompanhar o julgamento do século.

    Ao término da sentença, Ágata voltou ao seu apartamento sendo escoltada por seguranças e policiais que ficavam de plantão na rua lá embaixo para evitar que ela pudesse receber visitas inadequadas. Mas como ela sempre tinha sido uma nômade digital, Ágata acabou recebendo diversas ligações para que ela voltasse a escrever nos principais jornais de Portugal e do mundo. E assim, o fez.

    Escrevia artigos sobre Política, Econômia, Cultura e Arte para os jornais locais e internacionais também. E até levou um susto quando viu sua conta bancária lotada de dinheiro novamente. Secretamente passou a editar os jornais de Portugal novamente. E agora até dava aulas nas Universidades que tinha pedido demissão lá atrás. Realizava diversas conferências mundiais em seu apartamento. Dando palestras e aulas sobre geopolítica mundial.

    O tempo que tinha ficado presa?

    Isso para Ágata não importava pois o que ela mais queria era ser uma intelectual de respeito. E por mais que estivesse presa em seu apartamento por um tempo indeterminado, sua mente estava livre para poder criar, discursar e escutar outras mentes que pensavam como o mundo deveria ser em um futuro próximo e ela gostava de fazer parte daquela nova civilização livre de ditadores e fascistas novamente.

  • Minha vida em canções

    abril 22nd, 2025

    Toda aquela insistência sem cessar, continuava vindo tanto da gravadora como de sua empresária também. Roberto deixava o seu telefone fora do gancho e o celular no modo avião, para que não fosse interrompido pelo show business. Estava ocupado demais vivendo à sua vida em total reclusão.

    Algumas fãs se aproximavam de sua casa e ele sempre as tratava super bem, escutava alguns conselhos delas, enquanto fazia hora para encontrar suas amigas novamente, voltarem daqueles trabalhos mais dignos do que as que estavam anteriormente.

    Algumas eram gerentes de lojas, enquanto outras, tinham restaurantes bem movimentados nas ruas principais de Nova York. Roberto tinha comprado aqueles estabelecimentos depois que tinha ganhado rios de dinheiro com suas músicas autorais. Agora, não pensava mais em gravar suas músicas em estúdios, muito menos, ter gravadoras que pegavam a maior parte de seus lucros no exterior.

    Roberto tinha aberto uma rede social onde colocava todas as suas músicas finalizadas para serem escutadas por quem quer que fosse. Isso estava lhe trazendo mais lucro do que os próprios royalties das gravadoras e dos discos que estavam sendo vendidos. E assim, conseguia manter o mesmo padrão de vida sem qualquer tipo de alteração.

    Fazia questão de manter todos os custos extras de vida de suas amigas ex-prostitutas. Pagava cabelo, maquiagem, motorista particular e até mesmo alguns seguranças. Elas diziam que não precisavam daquilo tudo em suas vidas, mas Roberto, teimoso como sempre, fazia questão de mima-las com o dinheiro que recebia sempre aos montes.

    Gostava de cuidar de quem tinha dado carinho e afeto para ele no momento em que ele não tinha absolutamente nada. Algumas vieram a conhecer alguns pretendentes no meio da rua, que lhe prometiam mundo e fundos, mas eles tinham que ser aprovados pelo Roberto antes.

    Passando pelo teste; casavam, tinham filhos, cachorros e uma casa bem confortável para viver e transar à qualquer hora do dia. Mas Roberto deixava bem claro, para os novos pretendentes, que eles tinham que ter um trabalho que dignificasse à nova família formada, trazendo estabilidade para os corações dilacerados de suas amigas.

    Roberto fazia questão de bancar todos os casamentos de suas amigas. Contratava um bufê chique e vários garçons que faziam striptease para as suas amigas nas horas vagas. E assim, aos poucos, sua casa foi ficando cada vez mais vazia, pois a maioria decidia sair de suas instalações para não incomodar aquele gênio criativo da madrugada. Mas sempre continuavam ligando para ele para saber como ele estava indo com suas novas músicas.

    Mas logo saiu no mundo da pirataria suas novas músicas. Todos compravam à preço de bananas aqueles discos que ele mesmo fazia questão de financiar, com os lucros obtidos das suas redes sociais. As gravadoras e sua empresária ficaram bem chateados com aquilo, como se tivessem sidos todos traídos. Mas Roberto não se importou com aquilo, pois continuava fazendo seus shows com a sua banda particular no exterior.

    Continuava ganhando rios de dinheiro que fazia questão de guardar para tempos de intempéries. Mas por outro lado, continuava ajudando suas amigas que lhe tiraram da lama quando ele estava pobre.

    Em uma das tûrnes em específico, Roberto tinha lido antes de entrar no palco, na Filadélfia, uma reportagem de uma mulher forasteira, que tinha sido escritora, jornalista, professora e mercenária de muito sucesso e isso logo lhe intrigou, pois suas amigas lhe disseram que ela poderia estar naquele show disfarçada com cabelos azuis.

    Ele começou o show e logo pediu as administradores que dessem uma boa vasculhada na platéia, para ver se achavam aquela mulher enigmática. Ao fim do show, Roberto enfim, conseguiu avistá-la bem rapidamente e lhe chamou para à sessão de autógrafos que aconteceria logo depois daquele show. As amigas de Roberto, logo correram para comprar tudo o que ela tinha escrito nas livrarias mais próximas, para que ele pudesse assim, entrar em contato com os pensamentos daquela mulher o quanto antes.

    Ágata compareceu à sessão de autógrafos e Roberto logo lhe perguntou sobre todos os seus livros, artigos, crônicas e contos que ela tinha escrito na mocidade. Ela desconversou um pouco sobre aquilo e lhe disse que suas músicas serviam de inspiração para uma nova geração de críticos que estavam vindo.

    Roberto ao fim daquela turnê, acabou lendo tudo o que aquela mulher misteriosa tinha escrito com sua vida e ficou muito alarmado sobre todas aquelas reflexões que exalavam um movimento contracultural que estava completamente esquecido na sociedade e assim, aproveitou a oportunidade para escrever novas músicas sobre aqueles livros que tinha lido no intervelado de um show para outro.

    Roberto acabou fazendo um novo álbum e à dedicou inteiramente a Ágata. Disponibilizou aquelas músicas em suas redes socias e logo, estavam tocando nas paradas de sucesso das rádios mundo afora.

    Ágata escutou aquelas músicas no rádio de seu veleiro e tinha a absoluta certeza de que aquelas reflexões do jovem cantor tinham vindo dela. Porém, não queria processá-lo em hipótese nenhuma. Pois ela sabia que uma obra depois de finalizada, não pertencia mais à quem tinha lhe feito.

  • Nos bordéis de Nova York

    abril 21st, 2025

    Roberto tinha chegado na cidade de Nova York pela manhã. Levava consigo apenas uma mala e um violão. Estava muito frio. A neve estava caindo sem parar sob seus cabelos desgrenhados, enquanto sua vista sofria com a nebulosidade ambiente. Seus óculos de grau ficavam constantemente embaçados pelo vapor que vinha de seu hálito mau cheiroso.

    Logo conseguiu ficar em um bordel. Gostava de conhecer pessoas novas que talves pudessem servir de inspiração para alguma canção nova. Ainda estava se adaptando a língua pois tinha acabado de se formar em língua inglesa pela universidade, pois sua língua materna era o português. Mas nada que uma boa conversa não pudesse melhorar no desenvolvimento daquele idioma recém adquirido.

    Arranjou logo um emprego de garçom em um restaurante local, enquanto nos momentos livres, tocava violão e cantava suas próprias músicas autorais no bordel em que morava. Ou seja, tinha dois empregos naqueles tempos difíceis. Um de dia outro pela madrugada adentro. Dormia nos fins de tarde e acordava no início da madrugada. E isso se repetiu até ele ter que abandonar de vez o seu emprego diurno, pois já estava ganhando mais pela madrugada adentro do que pelo dia afora.

    O bordel sempre atraia muitos artistas que ainda estavam em busca de suas próprias identidades, mas Roberto já tinha à dele. Pois suas músicas eram como poesias para os ouvintes que à escutavam. E muitos se perguntavam como aquele cara desconhecido tinha tantas histórias assim para contar na língua que não era ensinada em sua terra natal.

    Assim que começava a cantar – apenas com voz e violão – todos paravam para escutar o que ele tinha para dizer da sociedade, da política, da economia e da cultura principalmente; enfatizando toda a sua arte dedicada à composição. E assim, as pessoas iam saiando daquela espelunca, ao final de cada show, muito mais sábias e informadas sobre o mundo à sua volta do que antes.

    E a cafetona do estabelecimento logo viu ali uma oportunidade para que ambas as partes pudessem ganhar mais dinheiro, e assim, resolveu alugar um apartamento com três quartos para aquele garoto, dando tudo o que ele queria para comer, se vestir e ler.

    O tempo passou até que algumas gravadoras vieram até aquele lugar para procurar pela nova atração da cidade de Nova York. Os empresários se apresentaram para o garoto prometendo mundos e fundos e ele simplesmente os ignorou dizendo que jamais iria trair a confiança daquela cafetona, que tinha lhe dado de tudo sem pedir nada para ele em troca. E assim, eles sairam do lugar completamente amargurados pois sabiam que alguém iria lhe convencer cedo ou tarde de que ele poderia sonhar com lugares muito melhores para tocar e morar do que aquele.

    Mas Roberto era decidido. Dava diversas entrevistas nos jornais dizendo que gostava de sua vida e que estava aprendendo cada dia mais com aquelas prostitutas maravilhosas, que eram suas melhores amigas. E só sairia de lá, caso a cafetona aceitasse ir para um lugar melhor.

    O tempo passou e agora o estabelecimento tinha que ter reserva para vê-lo tocar. Pois todo o dia a casa estava cheia de pessoas que gastavam o seu dinheiro com mulheres, jogatina e muita música folk de qualidade nas caixas de som que vinham do garoto com o seu violão e voz aterrorizante de se escutar.

    As resenhas dos shows nos jornais eram sempre elogiosas. Mas as prostitutas sempre o blindavam contra os jornalistas e os empresários que só queriam uma parte daquele sucesso todo estampado em alguma capa de jornal ou quem sabe, em algum disco de ouro dependurado em alguma parede de seus escritórios de luxo.

    Roberto não sabia nada de negócios e contratos, mas suas amigas do bordel sabiam. Tinham mais experiência de vida por já terem sido enganadas por diversas pessoas em sua vida. Tanto homens como mulheres também. Lhes prometiam tudo, mas no final, lhe entregavam apenas à diária de seus serviços.

    Aquilo era uma família de verdade. Roberto se sentia melhor ali do que com os seus próprios parentes de sangue. E todas sabiam disso. Aos poucos, Roberto começou a entrevistá-las para as suas próprias composições novas que estavam sendo jorradas de sua mente, como se aquilo fosse algum ser místico que estava lhes dizendo para escrever, mas não era. Seu talento era absolutamente incrível. Em cada canção nova que cantava, transparecia uma história diferente que tinha acontecido com algumas delas. E elas ficavam todas orgulhosas daquele gênio da música, que mais parecia um irmão mais novo, que precisava de cuidados como qualquer outro em uma família grande.

    Mas houveram tempos difíceis também. Pois algumas as vezes voltavam para a casa, dizendo que tinham sido muito abusadas e viololadas por pessoas que tinham graduação nas melhores universidades do país e Roberto ficava sem entender nada daquilo. Ele tentava consolar todas elas dizendo com muita confiança em seus olhos, que um dia ganharia tanto dinheiro que lhes tiraria daquelas vidas miseráveis para sempre.

    E foi isso que aconteceu um dia. Roberto estava cantando algumas músicas tristes com o seu violão folk, até que conheceu uma empresária que lhe disse que bancaria todas aquelas mulheres do bordel, caso ele fizesse um disco em sua gravadora. Todas avaliaram os prós e contras daquela profissão e enfim, decidiram aceitar aquela oferta.

    Roberto entrou naquele estúdio com uma banda já formada. Ele tinha pegado algumas mulheres que tocavam naquele bordel junto com ele e assim, resolveu montar aquela banda somente para aquele álbum de inéditas. A banda escolheu o respertório e à tocou de uma só vez – com o engenheiro de som na cabine gravando tudo, é claro – como se aquelas música já fizessem parte de suas vidas sofridas a bastante tempo.

    Roberto passou à morar numa casa com 16 quartos e 14 banheiros, que comportava todas as suas amigas do bordel. Ficou muito admirado com os royalties que ganhou com aquele seu primeiro cd de folk, pois sabia que o gênero não agradava muitas as pessoas que geralmente só pensavam em música eletrônica e pop e quase não estavam acostumadas à escutar algo que as levassem a eterna reflexão eterna.

    Sua empresária logo lhe pediu um novo álbum e talvez uma possível turnê pelo mundo. Roberto ficou um pouco pensativo e levou aquela ideia até as suas amigas para ver o que elas achavam daquilo tudo. Todas se reuniram na enorme sala de estar da casa para a discussão e o debate. Algumas concordaram com a nova ideia enquanto as outras não gostaram muito. Mas Roberto começou a sofrer pressão de ambas as partes, tanto da gravadora como de sua empresária também. E assim, em uma semana, Roberto vasculhou seu acervo de músicas autorais e escolheu quais eram as mais adequadas para que o mundo pudesse escutar naquele momento.

    O álbum foi gravado em apenas uma semana. E Roberto ordenou que só sairia em turnê caso pudesse levar a sua família com ele. Sua empresária pensou no assunto junto com a diretoria da gravadora e assim, o pedido foi finalmente aceito.

    A comitiva da turnê teve que alugar um jatinho particular que coubessem todas as integrantes daquela turnê maluca. Tocaram em universidades do mundo todo, e logo, estavam lotando grandes estágios de futebol.

    O que deu certo naquela tûrne?

    Roberto acreditava que tinha sido porque ele e sua banda cantavam na língua oficial de cada país. Pois todos eram aconselhados a aprender as pronúncias corretas com os tradutores de plantão, e assim, a platéia podia curtir todas aquelas letras sem que precissassem fazer nenhum esforço para compreender.

    A banda toda conseguiu ganhar muito dinheiro e fazer sua independência financeira vivendo dos royalties daquelas letras carregadas de sofrimento. Roberto fazia questão de que todas assinassem aquelas letras como se fossem suas, pois dizia que aquilo tinha sido escrito pelo descaso que a sociedade tinha com aquelas mulheres que eram esquecidas em bordéis e motéis de Nova York.

  • A fuga do cárcere

    abril 20th, 2025

    Depois do julgamento, Ágata enfim, foi levada pelo camburão até a cadeia mais próxima da cidade. Ela trajava aquele habitual macacão laranja, enquanto os guardas colocavam correntes em seus pés, para que as outras pessoas da cidade pudessem identificá-la como uma criminosa de guerra.

    Sua pele foi imediatamente marcada com um número de identificação que Ágata não fazia questão nenhuma de memorizá-lo. Os carcereiros de plantão lhe deram uma muda de roupa limpa, um travesseiro, uma escova dental com fio dental incluso, um rolo de papel higiênico e uma coberta caso ela viesse à sentir frio em sua cela compartilhada.

    Ágata logo conheceu sua companheira de cárcere. Ficaram amigas íntimas e logo estavam contando todos os seus segredos de vida uma para à outra.

    Nívea estava presa há 4 anos. Tinha matado um rapaz que tinha lhe estrupado em uma floresta afastada da cidade. Na maioria das vezes, era bem gentil com suas companheiras, mas as vezes tinha crises de choro terríveis que acordavam as outras detentas em plena madrugada. E era por isso que ela sempre vivia cheia de hematomas pelo rosto e pelo corpo todo também. Alegavam que ela precisava se controlar a uma hora daquelas.

    Ágata para sobreviver teve logo que se juntar a gangue mais forte da prisão, caso não quisesse ser violada como a sua amiga tinha sido na floresta. E assim, oferecia qualquer tipo de serviços às suas companheiras em troca de segurança perpétua. Mas sabia que não poderia levar aquela vida por muito mais tempo e já planejava com algumas detentas à fuga daquele ambiente inóspito.

    Ela até tinha tentado ler o máximo de livros que conseguia para que assim, conseguisse reduzir os seus anos de prisão, mas logo viu que aquela tarefa seria impossível, pois os carcereiros também exigiam que ela fizesse novas resenhas, contos, crônicas e artigos sobre tudo aquilo que ela tinha experienciado em sua vida, para que depois eles conseguissem vender à fortunas no mercado negro.

    Somente algumas detentas sabiam do plano de Ágata em escapar daquela prisão de segurança máxima do condado da cidade. Achavam aquilo muito perigoso, pois se alguma fosse pega em flagrante, os juízes do comitê poderiam decretar pena de morte à qualquer uma. E assim, algumas desertaram daquela ideia, deixando-a totalmente à deriva.

    Porém, um dia antes do plano ser colocado em prática, Nívea aceitou ajudá-la, mesmo tendo consciência de todos os riscos envolvidos. E assim, na calada da madrugada, as duas enfim, conseguiram fugir sem fazer nenhum estardalhaço na prisão.

    Porém, o que Ágata não tinha como prever, era que as outras detentas depois do ocorrido, também se encheriam de coragem para segui-las; deixando a prisão completamente vazia no amanhecer, quando os carcereiros abriam as celas e colocavam todas para tomar banho de sol.

    O sistema de segurança foi inteiramente trocado e aquelas detentas nunca mais foram vistas novamente. Muitas trocaram suas identidades por documentos falsos e aproveitaram a oportunidade para fugir daquela cidade que tinha como a atração principal o serviço forçado daquelas detentas.

    Ninguém sabe ate hoje como todas conseguiram fugir, mas Ágata tinha alguns palpites, pois tinha encontrado diversas falhas nas trocas de plantão dos carcereiros, que geralmente nunca estavam usando armas; sem contar no sistema de cameras também, que volte e meia saia do ar devido ao gerador antigo que o governo mantinha do lado de fora da prisão pegando chuva e sol o dia inteiro. Só de citar esses exemplos, já dá para imaginar que uma possível rebelião ou insurgência era bem possível de acontecer. Porém, a única pergunta em que Ágata mantinha em sua cabeça na hora da fuga era o por que da demora?

    Por que elas não tinham feito isso antes dela chegar naquela prisão?

    Era isso em que Ágata as vezes se pegava pensando em seu veleiro de fuga. Talvez estivessem esperando uma mulher corajosa o suficiente para iniciar o processo. Para que depois as outras pudessem seguir os seus rastros pela liberdade. Ou talvez estavam lhe testando para ver se ela teria culhões de fazer aquilo, mesmo que ninguém lhe acompanhasse na jornada para o abismo.

    Ágata acompanhou tudo pelo seu rádio antigo do veleiro. E dentro de sí vibrava por ter conseguido fazer mais aquela façanha em seu currículo. Pois sabia que eram bem poucos os que tinham conseguido fugir de uma prisão de segurança máxima como aquela.

    O que o destino lhe reservava agora?

    Pensava ela, olhando novamente para o seu mapa mundi do veleiro. Tentava indicar com os dedos um destino para se embrenhar, mas de nada adiantava. Gostava de velejar pelo mar calmo e violento. Levando consigo apenas lembranças de quem já tinha sido e era. As vezes o nome de todas eram faladas no rádio novamente, mas o mundo logo se esqueceu daquelas presidiárias que agora tinham outros nomes, identidades, cabelos e perfumes totalmente diferentes umas das outras.

    Ágata agora tinha medo da Terra à vista. Preferia sempre ancorar por perto, mas nunca chegar totalmente à costa para que as pessoas ficassem lhe perguntando de onde estava vindo e para onde queria ir. Dizia sempre que a viagem era o seu destino e as ondas sua estrada.

  • À liberdade dentro das grades

    abril 19th, 2025

    Ágata resolveu atracar o seu veleiro em Málaga, cidade natal de Pablo Picasso. Visitou alguns museus de arte em que continham algumas obras do famoso pintor espanhol em exposição e acabou Ficando muito intrigada com a sua genialidade. Pois Picasso tinha todas as condições possíveis para pintar obras de origens clássicas que realçassem o realismo da vida cotidiana, mas preferia distorcer tudo em forma de seus próprios movimentos inventados. Vai saber o que tinha levado à fazer aquilo.

    Domine toda a teoria e a técnica; caso queira criar uma nova vertente artística.

    Pensou consigo mesma, Ágata, depois de ter visto aquela exposição do artista espanhol.

    Pois Picasso sabia pintar como os artistas clássicos e renascentistas pintavam, mas acho que ele queria fazer sua própria história. Então, resolveu criar algo totalmente novo em sua vida, onde lhe faria ser lembrado para sempre nos livros de história da arte.

    Mas isso, de acordo com a visão de Ágata, só era permitido fazer no mundo das artes talvez. Porque a vida não vinha com um manual onde os grandes sábios lhe ensinavam a arte de viver. Você tinha que aprender e descobrir por si mesmo. Sendo autodidata por natureza. Aprendendo somente o que lhe conviesse de mais interessante, para que assim, você pudesse pensar na hipótese de criar o seu próprio mundo e universo. Com regras só suas e de mais ninguém.

    Porém, no seu jeito de pensar, isso também parecia ser impossível de se fazer. Pois em uma sociedade sempre existiria regras à serem seguidas fielmente. Mas se formos para o campo das artes, por exemplo, tudo já parece ser mais possível e permitido também.

    Mas com a vida já não era assim. Tínhamos que ir aprendendo aos poucos. Nos aproximávamos de pessoas com ideias diferentes das nossas e tínhamos que aprender a conviver em harmonia, por mais que algumas vezes isso parecesse impossível de se fazer.

    Ágata aprendeu isso desde cedo. Tinha bem poucos amigos em sua infância e quase nunca tinha ido à casa deles para dormir ou passar apenas o final de semana juntos conversando sobre assuntos banais. Ela estava ocupada demais pesquisando sobre a história da humanidade em seus momentos livres.

    Ela tinha pavor de seguir às massas. Quando todos escutavam rock, ela preferia o folk profético de Dylan. Quando todos queriam roupas de marca, ela arranjava roupas simples de brechós de beira de rua. Quando todos queriam ir para as principais universidades do Brasil, ela preferia sair do país e inventar a sua própria formação.

    Ela sempre teve esse espírito contracultural em tudo o que fazia. E foi nesse instante, em que se deparou com uma livraria espanhola onde estavam vendendo os seus artigos de jornais em livros que coletavam todas as suas obras completas. Ágata ficou apavorada com aquela situação inusitada em sua vida. Pois nunca poderia imaginar que os seus artigos, crônicas e contos ainda estivessem ganhando o mundo daquele jeito. Porque estava ocupada demais viajando dentro dele. Mas tinha se esquecido de quem tinha sido um dia. Uma escritora, jornalista e professora muito bem sucedida, tanto no ambiente acadêmico como fora dele também. Mas por outro lado, também pairava uma sombra negra em sua vida por ter sido uma mercenária sem pátria. Que defendia os injustiçados à troca da própria morte.

    Ágata se olhou no reflexo do vidro daquela livraria e pôde reparar que teria que colorir seu cabelo de azul novamente, pois a tinta já estava começando a desbotar. Ela teve o cuidado de olhar em todas as contra capas daqueles volumes – que não paravam de sair das prateleiras de lançamentos mais aguardados – e se sentiu muito mais aliviada ao vê-la de cabelos ruivos ainda. Mas isso de nada adiantou, pois tiveram alguns fãs seus que à reconheceram de imediato. E ela logo saiu toda destrambelhada da livraria levando consigo, um exemplar daqueles volumes em suas mãos sem perceber.

    Ela acabou sendo perseguida por uma onda de fás espanhóis que gritavam seu nome pelas ruas como se ela fosse à próxima discípula à ser seguida em um mundo pós-apocalíptico.

    Ágata conseguiu despistar aquela multidão e assim voltou rapidamente para o seu veleiro, pois ali era apenas uma singela velejadora da classe trabalhadora. E era exatamente isso que ela queria ser naquele momento de sua vida. Pois ela não queria ser famosa, nem dar autógrafos, muito menos tirar selfies desagradáveis com pessoas que tinham achado em seus escritos novas maneiras de viver suas próprias vidas sem rumo.

    Agora pelo menos, sabia que a onda da sua fama ainda não tinha passado o suficiente. E por hora, teria que ser dada como morta ou não encontrada pelos serviços de inteligência da Interpol.

    Mas isso já era tarde demais, pois aqueles fãs acabaram dando diversas entrevistas nos jornais dizendo que Ágata tinha sido vista em uma livraria de Málaga, folheando seus próprios livros nas prateleiras. E assim, as agências internacionais resolveram prendê-la de antemão, alegando que ela tinha cometido diversos crimes de guerra com o seu grupo de mercenários.

    O que à fez se tornar mais famosa ainda, pois era só ligar a televisão nos noticiários que a sua foto era mostrada como uma suposta terrorista à ser evitada em qualquer país.

    Os outros mercenários logo foram achados também.

    Seus livros continuavam na lista dos mais vendidos do mundo, como se aquele caso que seria julgado muito em breve, desse ainda mais fogo para a lenha.

    Ágata e seu grupo de mercenários seriam julgados por um comitê internacional. E os juízes responsáveis pelo caso, tiveram que ler todos os seus livros em busca de algo suspeito que pudesse ser aproveitado no julgamento do século. Mas no final das pesquisas, tiveram que alegar que não encontaram nada que à incriminasse teóricamente, somente pragmaticamente.

    Os réus apareciam todos na televisão com macacões laranjas e algemas nos pés. E de nada adiantou, as diversas manifestações em prol deles que aconteceram ao redor do mundo. Pois no final, todos acabaram pegando prisão perpétua.

  • Se tornando uma velejadora

    abril 18th, 2025

    Ágata estava muito empolgada para fazer aquela viagem ao Polo Ártico. Tinha alugado um navio com todos os acessórios necessários para aquela travessia em alto mar. Mas antes disso, passou em uma loja para comprar roupas adequadas às baixas temperaturas.

    Ficou muito admirada com o valor daqueles casacos e botas térmicas, mas como quase não gostava de gastar o seu dinheiro com roupas novas, preferiu investi-lo naquelas vestimentas e depois doar para quem precisasse. Ágata sempre manteve essa filosofia de vida. Usando apenas o necessário para o seu desenvolvimento pessoal.

    Acreditava que as pessoas tinham que usar mais roupas de brechós, por exemplo, pois isso gerava um ambiente mais susténtavel economicamente para o mundo.

    Ágata também teve que contratar uma pessoa especializada em fazer aquele tipo de viagem até o Polo Ártico. Acabou contratando uma garota desapegada igual à ela. Que tinha uma vasta experiência em velejar por aqueles lugares inóspitos na companhia de um cachorro do Cáucaso bem simpático.

    Seu nome era Berenice. Tinha por volta de 34 anos de idade mas aparentava ser bem mais nova do que a ocasião permitia. Mas Ágata tinha gostado daquela companhia logo de cara, e assim, resolveu pagar logo o valor integral do passeio de ida e volta. Berenice quase não pôde acreditar naquela soma de dinheiro toda que estava vendo bem em sua frente. Acho até que ela nunca tinha visto tanto dinheiro assim em sua vida. Pois os aventureiros pagavam tudo no cartão de crédito, parcelado em quantas vezes fosse necessário, alegando que gostavam de parcelas mensais suaves.

    Berenice se empolgou logo de cara e acabou à levando pelas costas do Canadá, Groenlândia, Noruega e Islândia também. Ágata até conseguiu ver alguns ursos polares no caminho em busca de algum lugar seguro para os seus filhotes recém nascidos.

    Ágata tirou diversas fotos com as cameras de Berenice que estavam no barco de velejo e aproveitou para aprender tudo o que estava ao seu alcance ao longo do caminho. Aprendeu a ir de acordo com a direção do vento. Pois de nada adiantava remar contra a maré. O mar tinha que permitir que Ágata completasse aquela viagem. E ela entendeu isso rapidamente.

    Berenice logo lhe mostrou a sua coleção particular de livros em sua pequena biblioteca no veleiro. Mas Ágata não se interessou por aquilo. Foi até muito respeitosa e educada, mas ela queria mesmo era aprender tudo o que pudesse com aquela velejadora do Ártico. Ágata notou logo de cara como Berenice tinha muito agilidade para mudar à direção de seu veleiro quando o vento não estava ajudando e isso à fez se tornar uma exímia velejadora também.

    Ágata sempre perguntava sobre todas aquelas informações que vinham pelo computador à bordo do veleiro. Via quando um navio cargueiro estava se aproximando com aquele radar sempre fazendo a varredura nos mares. E assim, aos poucos, ia decifrando quando um iceberg ou barco passava à algum quilômetros de distância daquela tripulação amadora.

    Berenice lhe explicava tudo. E nos momentos livres se perguntava se aquela mulher também ansiava em ser uma velejadora do mundo.

    Ágata não dizia absolutamente nada sobre aquilo. Preferia guardar segredo. Achava que aquilo não dizia respeito à mais ninguém. Mas sempre tratava Berenice com muita doçura. Porém, na volta da viagem, aquela resposta já estava explícita para ambas às partes.

    Berenice já tinha certeza sobre os próximos passos de sua companheira de viagem. E assim, na volta daquela aventura, Ágata já estava pensando em comprar um barco ou veleiro para atracar em algum cais do porto que aceitasse seu modesto barco.

    Quando enfim atracaram na Espanha, Berenice lhe apresentou à um lindo barco computadorizado que também serviria de veleiro, caso não quisesse usar toda aquela tecnologia disponível, e assim, Ágata não pensou duas vezes e acabou fechando o negócio na moeda local ali mesmo.

    Berenice ficou muito admirada com aquela atitude e começou a repassar em sua cabeça se tinha se esquecido de lhe ensinar algo de útil. Mas logo viu que aquela garota estava tão ou mais pronta que ela, para enfrentar as correntezas do mar que lhe sugavam para dentro novamente.

    E assim, Berenice e Ágata se despediram ao final daquele pôr do sol, pois as duas já estavam traçando novas rotas para velejar no outro dia. Berenice queria ir para o Japão, enquanto Ágata queria conhecer o mar morto.

    Ágata não sentia mais vontade de escrever sobre as suas novas experiências. Pois todos aqueles novos conhecimentos adquiridos, lhe preenchiam tanto, que ela simplesmente não queria registrá-los em diários de viagem. Queria guardá-los só para ela. Como se tivesse descoberto uma nova religião onde as pessoas eram conduzidas apenas por suas vontades.

    Vontade essa, que poderia ser um pouco perigosa dependendo do trajeto à ser traçado pelos mapas e radares de bordo de qualquer veleiro disponível. Mas Ágata parecia não se importar com aquilo, pois aqueles que colocavam a sua vida à disposição dos mares, tinha a total confiança que algum dia aquele sonho, poderia muito bem ser apagado com ondas que somente Nazaré eram capazes de produzir.

  • A Vida Privada – 2024

    abril 18th, 2025

    Sinopse da Obra: Salgado e Darsila tinham finalmente conseguido se estabilizar na Fazenda Formosa, ao produzir diversos tipos de alimentos orgânicos para a venda. Porém, seus filhos Lila e Otávio, logo quando nasceram, tiveram que presenciar à mãe, sucumbir diante de um terrível câncer no pâncreas que infelizmente à levou a morte. Depois do incidente devastador para a família, o coronel Salgado teve que cuidar de seus dois filhos, ao fazer o papel de mãe e pai. Seus filhos cresceram, se formaram e gastaram muito dinheiro em intercâmbios pelo mundo, até que decidiram voltar dos Estados Unidos, com a intenção de abrirem uma filial da Tesla – fábrica de carros elétricos – no Brasil. O coronel Salgado se deslumbrou com aquela ideia dos filhos, tendo em vista que a fazenda já não estava mais produzindo os produtos em grandes quantidades como fazia antigamente, e assim, decidiu se aposentar antes do previsto; passando logo as suas terras para que eles pudessem abrir a tão esperada filial na América Latina. Mas o que iria acontecer com a Betina, a Eliza e o Romildo que já trabalhavam na fazenda com o coronel Salgado? E para onde iria Salgado depois de se aposentar, se o lugar que ele mais gostava de estar era em sua biblioteca? Essas e outras respostas irão ser respondidas ao longo desse breve romance. Onde os personagens se mesclam com as suas dores, arrependimentos, angustias, felicidades e por fim, à congratulação de seus sucessos pessoais e profissionais.

    A vida privada – 2024Baixar
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